Até aos seus 250 anos Cuiabá era isolada do Brasil, diz ex-prefeito

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Prestes a completar 93 anos no dia 11 de abril, o ex-governador e ex-prefeito de Cuiabá, Frederico Campos, recebeu o  em sua residência no bairro Jardim das Américas, em Cuiabá. Caminhando com dificuldade e com um andador, por conta da artrose cada vez mais severa com o seu corpo, ele nos esperava na varanda da casa.

  

Logo que entramos já reclamava pelo fato de estar usando uma máscara, por conta da pandemia do novo coronavírus. “Eu estou usando isso porque estão me obrigando. Onde já se viu. Com a minha idade ter que usar isso. Mas é recomendação médica”, disse o ex-prefeito.

 

Frederico fez questão de nos cumprimentar com aperto de mão, afirmando que a educação e o respeito veem em primeiro lugar. O ex-gestor falou da sua trajetória como prefeito por duas vezes de Cuiabá e como governador do Estado. Engenheiro de formação, atuou como servidor na Prefeitura de Várzea Grande entre 1953 e 1955. Abandonou o cargo para se tornar professor da antiga Escola Técnica Federal de Mato Grosso, hoje Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT).  

 

Luiz Leite / Gazeta Digital

Selo Cuiabá 301 anos

 

 

Em 1966, assumiu o cargo de engenheiro da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), que ocupou até 1967, quando ingressou na vida política ao ser indicado prefeito de Cuiabá pelo então governador Pedro Pedrossian. Deixou o cargo em 1969, afastado pelo próprio governador.

 

Em 1975 se tornou secretário de Obras no governo Garcia Neto. Três anos depois foi o primeiro indicado ao governador de Mato Grosso em 1978, pelo presidente Ernesto Geisel, sendo o segundo a ocupar o cargo após a divisão do estado. Em 1988, voltou a se tornar prefeito de Cuiabá, sendo a primeira vez que assumia um cargo por eleição direta.

 

Durante a entrevista afirmou que o marco para o desenvolvimento da capital ocorreu aos 250 anos da cidade, e se intensificou com a divisão do Estado. Considera o atual prefeito Emanuel Pinheiro (MDB) como o melhor gestor da terra de Dom Aquino neste século, superando Roberto França (PODE), Wilson Santos (PSDB) e Mauro Mendes (DEM), o atual governador do Estado.

 

Frederico Campos também faz críticas ao “magnatas” do agronegócio, afirmando que a industrialização do Estado é de responsabilidade do setor.

 

Veja os principais trechos:

 

 – Como ex-prefeito de Cuiabá, aliado ao seu conhecimento de questões políticas ao longo destas décadas, em que área a capital mais avançou?

 

Frederico Campos – Eu nasci aqui em 1927, lembro da minha infância. Em 250 anos, Cuiabá viveu isolado do resto Brasil. Quando o prefeito aí (Emanuel Pinheiro) festejou os 300 anos, isso não foi dito, que por 250 anos vivemos isolados do resto do Brasil. 

A região sul começou a desenvolver mais rápido. Campo Grande, antes da divisão se desenvolvia porque o desenvolvimento do Brasil veio da costa marítima do Atlântico para o resto do país. Até chegar aqui demorou 250 anos.

 

Cuiabá só sofreu um impacto de desenvolvimento muito grande depois a divisão do Estado (1977). Porque a população que passou a vir pra cá e começamos a fazer a infraestrutura na cidade. Consegui fazer isso como governador do Estado nomeado, porque não disputei a eleição partidária. Fui nomeado no regime militar e consegui fazer tudo com rigor, porque eu tinha o apoio da administração superior do país.

 

Eu precisava de dinheiro para pagar pessoal, fui lá e eles me arrumaram. Precisei de recursos para abrir estradas. Fui lá e eles me arrumaram. Eu assinei um contrato de US$ 195 milhões com o Banco Americano, o BID. Aí o presidente do banco me perguntou “qual é a sua conta?” Eu respondi “minha conta por quê?”. Para a sua comissão, ele respondeu. Essa era praxe, mas eu não aceitei.  Mas conseguimos o empréstimo, elegemos Júlio Campos governador e ele assumiu com os projetos da construção das estradas. E fez, abrindo as fronteiras do Estado.

 

Aí com essa abertura é que chegou a nós o pessoal da produção, a agropecuária principalmente, que ocupou toda essa nossa extensão. E hoje esse pessoal é quem manda aqui. São 5 magnatas desse setor que mandam aqui. Então, isso faz parte da história econômica do Estado de Mato Grosso, e principalmente de Cuiabá.

 

Nossa cidade levou 300 anos para estar desse jeito. Então o que mais avançou foi essa abertura. Depois que a agropecuária se instalou aqui, Cuiabá passou a ter saldo na balança econômica do Brasil. Se não tivesse feito toda essa infraestrutura, não teria essa abertura e crescimento, e Cuiabá ainda estaria isolada. Ainda falta muita coisa a ser feito e houve muitos erros, mas nós demos um salto importante.

 

 – O senhor pode ou quer opinar sobre qual a melhor gestão de Cuiabá nas últimas duas décadas? Tivemos Roberto França, Wilson Santos, Mauro Mendes, Emanuel Pinheiro. Em sua opinião qual foi a melhor gestão?

 

Eu fui prefeito de Cuiabá nomeado pelo governador Pedro Pedrossian. E dois anos depois ele me demitiu. Porque ele resolveu fazer pavimentação com blocos de cimento na cidade. Independente da prefeitura, foi ele que fez. E a obra foi feita com deficiência e a imprensa caiu de pau em cima de mim. Eu disse que a obra era do governo do Estado. Aí a imprensa desceu o pau nele.

 

Ele veio do sul (Campo Grande) e resolveu me demitir, falando que eu o acusei. Mas eu não acusei, apenas disse tecnicamente que a obra era do governo.

 

Eu acredito e não é porque ele está aí, mas o Emanuel Pinheiro está fazendo uma excelente administração. Em termos de melhoras visual e social, ele está conseguindo atingir setores importantes da sociedade. Eu não consegui fazer o que ele está fazendo. Essa quantidade de praças para os bairros mais populares.

 

O Pinheiro tem tido uma grande felicidade em termos de obras nos bairros, asfaltos em ruas e tem conseguido recursos para essa obra. Então eu acho que ele merece disputar para continuar no cargo. Ainda não me posicionei, mas o apoio se quiser continuar.

 

 – Em qual área o senhor acredita que Cuiabá deixou de avançar?

 

Cuiabá expandiu muito rápido e se espalhou rapidamente, sem um plano municipal de expansão dos bairros. Cuiabá desenvolveu em várias áreas. Mas a área de saúde sempre precisa mais. Se bem que esse novo hospital foi um projeto arrojado. Na verdade, custou alto e a manutenção também é alta.  Agora é necessário, mas outros setores da saúde teve um demérito. Mas beneficiando a população, é isso que importa.

 

A educação avançou e a infraestrutura também. Mas ainda existe uma carência, em minha opinião, é na questão de captação de água e esgoto da cidade. Eu tinha um plano que eu não tive condições de executar. Era assim: onde tem a barragem de Manso, que eu iniciei aquela obra, ali tem um volume fabuloso de água retido. Onde tem a evasão da usina, deveria ter outra represa para poder beneficiar outro trecho pra cima.

 

E ali na baixada cuiabana, ao longo do rio Cuiabá, deveria construir um ponto para reabastecimento com tratamento de água, poderia servir para o turismo, movimentar  a beira do rio. Assim teríamos um tratamento bem melhor com distribuição de água para mais pessoas. Precisamos avançar nesse quesito.

 

 – O que é necessário para que Cuiabá se torne a capital dos serviços e do comércio, para atrair a população concentrada nos municípios ricos?

 

Precisa de uma coisa que os produtores rurais não estão dando importância. Porque eles atingiram um nível econômico de produção e receito estável. Não querem mexer com industrialização. Deixam para outros fazerem. Porque sem a industrialização, a produção dele e o lucro não mudam em nada.

 

Então está faltando um pouco mais de espírito coletivo para industrialização dos produtos próprios, para melhorar a economia interna do Estado e de Cuiabá, inclusive para aumentar o desenvolvimento humano mais avançado, com emprego e renda.

 

 – Qual a mensagem o senhor deixa para o povo de Cuiabá?

 

Cuiabá não vai parar. Temos tudo para continuar liderando o processo de desenvolvimento econômico de exportação de bens agropecuários. Vamos continua liderando isso. Cuiabá, a capital do Estado, e a divisão foi muito bom. Então vamos dar as condições para o brasil para lucrar na balança comercial internacional do Brasil.  

 

 – Tem algum arrependimento ou algo que o senhor gostaria de fazer?

 

Eu não me arrependo de nada. A vida é uma escola. Eu não me arrependi de ser nomeado prefeito pelo Pedro Pedrossian e depois ter sido demitido. Depois de demitido eu vim visita-lo porque fui pra uma área que aprendi muito e me deu a oportunidade de ser governador do Estado. Eu fui em todas as minhas administrações, rigoroso com a honestidade. Não admitia nenhum dolo. Esse é o meu princípio. Não falo isso por elogio, mas por honra ao meu pai.


Fonte: Gazeta Digital

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