Com R$ 1,8 bilhão do Esporte sem prestações de contas, documentos indicam fraudes e privilégios a cartolas

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Os números impressionam.

Milhares de prestações de contas de convênios “sumiram” no Ministério do Esporte nos últimos anos.

Entre elas, os gastos de 101 convênios de esportes olímpicos, abertos por 22 confederações brasileiras durante o ciclo para os Jogos Rio 2016, que simplesmente não possuem as prestações de contas regularizadas junto ao Ministério do Esporte. Em dinheiro, são aproximadamente R$ 280 milhões que saíram dos cofres públicos apenas nesta centena de projetos.

No total, até o ano passado, segundo admite o Ministério do Esporte em auditoria da Controladoria Geral da União (CGU), são quase R$ 2 bilhões sem prestações de contas analisadas. Ou seja: um mar de dinheiro investido sem o devido controle. Um oceano de recursos públicos que não se sabe ao certo onde foi parar.

Como se não bastasse, auditorias da CGU e do Tribunal de Contas da União (TCU) mostram que dezenas deles estão com inconsistências como fraudes em licitações, gastos indevidos, pagamentos suspeitos, superfaturamento e incontáveis privilégios a cartolas com o dinheiro que deveria ter sido investido na preparação dos atletas brasileiros.

Essas informações, e as que virão a seguir, são resultado de uma vasta apuração junto ao Ministério da Transparência, à CGU, ao TCU e ao SICONV, o Sistema de Convênios do Governo Federal. E foram confirmadas pelos próprios órgãos à reportagem.

A partir desta terça-feira, o ESPN.com.br começa a publicar a série “Dossiê das Contas”, que trará resultados de auditorias em cima das confederações e contratos olímpicos. Serão 23 reportagens, sendo que as oito primeiras vão ao ar nesta terça — os links estão no final desta matéria.

Convênio do Atletismo em análise há quase um ano: Ministério do Esporte trava prestações© ESPN.com.br Convênio do Atletismo em análise há quase um ano: Ministério do Esporte trava prestações
Em contato exclusivo com a ESPN, a CGU informa que a questão vem sendo tratada “de forma reiterada”, já que o Ministério do Esporte segue firmando novos convênios sem aprovar as contas anteriores.

“As análises das prestações de contas não foram efetuadas nos prazos estipulados nos normativos relacionados à gestão de convênios. Essa situação vem sendo tratada, de forma reiterada, pelo Ministério da Transparência junto ao ME, inclusive em decorrência de serem firmados novos convênios sem que a pasta tenha avaliado a adequação da aplicação de recursos dos ajustes anteriores”, disse a Controladoria.

O Ministério da Transparência informou ao ESPN.com.br que o M.E. alega “falta de capacidade operacional” para justificar as falhas. E confirmou a informação da reportagem: nenhuma das análises conclusivas das prestações de contas dos 101 convênios olímpicos de 22 confederações foram realizadas pelo M.E.

“As análises conclusivas não foram realizadas. As justificativas reiteradamente apresentadas pelo ME para a não conclusão/realização dessas análises tratam de falta de capacidade operacional e da existência de um passivo muito grande de prestações de contas a serem analisadas”, afirmou o Ministério da Transparência.

É curioso, contudo, que a falta a “falta de capacidade operacional” não tenha permitido ao M.E analisar e concluir nem mesmo um entre os 101 convênios abertos durante o ciclo olímpico. Reforçando: o montante total, apenas entre estes convênios citados, ultrapassa os R$ 280 milhões.

Em resposta, o ministério afirma que dos 101 convênios mencionados, dois ainda estão vigentes, sete ainda estão dentro do prazo para apresentação de documentos, 23 já tiveram as contas aprovadas, 43 estão em processo de análise, nove encontram-se atrasados quanto à apresentação de documentos comprobatórios e 17 se encontram na fila para entrar no processo de análise (leia a resposta completa ao final da reportagem).

Se ampliarmos a análise para além dos convênios abertos durante o ciclo de 2016, encontraremos quase 3 mil prestações de contas esportivas que não foram concluídas. Elas estão sem qualquer análise, conforme mostra abaixo quadro da auditoria feita pela CGU em cima das contas do Ministério do Esporte. 

Quadro mostra que, de 2,94 mil prestações de contas do Esporte, só duas foram aprovadas© ESPN.com.br Quadro mostra que, de 2,94 mil prestações de contas do Esporte, só duas foram aprovadas
Em números exatos, a auditoria relata que, de 2008 a 2016, existiam 2.940 convênios abertos e, de todo esse universo, apenas dois tiveram as contas aprovadas, enquanto nenhuma foi rejeitada.

Já entre os contratos de repasse, com valores em geral menores do que os convênio, são 15.277 casos, com 1.981 aprovados e apenas um rejeitado.

A conclusão a que se chega, portanto, é que o valor de R$ 280 milhões apresentado nesta série de reportagens sobre 101 convênios (relativos a 22 confederações olímpicas nos ciclos da Rio 2016) é bem maior, já que existem outros milhares de contratos e projetos.

Para se ter uma idéia dos números, um antigo relatório de gestão do Ministério do Esporte mostra que, até 2011, eram R$ 540.767.499,89 em contas não analisadas pela pasta. Mais R$ 64.441.753,01, em 2012; R$ 131.982.974,83, em 2013; e R$ 130.346.122,09, em 2014.

Relatório de Gestão do Ministério do Esporte mostra problema antigo nas contas© ESPN.com.br Relatório de Gestão do Ministério do Esporte mostra problema antigo nas contas
No total, eram R$ 867.538.349,82 em prestações de contas não analisadas. Isso apenas até o ano de 2014. No começo de 2016, conforme mostra documento reproduzido mais abaixo, os números chegavam a cerca de R$ 1,8 bilhão, segundo informou o próprio Ministério do Esporte em auditoria da CGU.

Em resumo, os convênios são incentivos financeiros a treinamentos de atletas e seleções olímpicas, dinheiro público distribuído entre as confederações para investimento no esporte.

O problema é que não se sabe se tudo foi, de fato, gasto com as modalidades conforme estipulado no plano de trabalho do convênio. Afinal, as notas fiscais “desapareceram”, uma vez que todas as prestações de contas estão “presas” no Ministério do Esporte.

O fato ganha contornos mais graves se considerado que há diversos convênios que se encerraram há anos — alguns dos convênios analisados pelo ESPN.com.br acabaram em 2008 —, o que pode indicar que as prestações de contas nem sequer existam mais. 

No ano passado, Esporte já falava em R$ 1,8 bilhão sem prestações de contas© ESPN.com.br No ano passado, Esporte já falava em R$ 1,8 bilhão sem prestações de contas
Sobre isso, a análise das autoridades é clara nas auditorias enviadas à reportagem.

“Verifica-se, também, fragilidades na gestão do Ministério do Esporte no tocante aos controles internos administrativos adotados, com impacto no atingimento dos objetivos estratégicos da unidade, destacando-se as falhas referentes à gestão das transferências voluntárias no âmbito da Secretaria-Executiva do Ministério do Esporte, principalmente no que tange ao acompanhamento e ao controle das prestações de contas dos proponentes”, apontou o Ministério da Transparência.

“Destaca-se que, assim como verificado nos procedimentos de acompanhamento dos ajustes, a análise das prestações de contas não é supervisionada, o que acaba contribuindo para o passivo significativo de 2.800 processos pendentes de análise de prestações de contas”, analisou a Controladoria-Geral da União.

Auditoria da CGU comprova que Esporte não entrega as prestações de contas© ESPN.com.br Auditoria da CGU comprova que Esporte não entrega as prestações de contas
O fato está irregular porque a Portaria Interministerial do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão junto à Controladoria-Geral da União é bastante clara, em seu artigo 76, quando diz que “a autoridade competente do concedente do convênio tem o prazo de 90 dias, contado da data do recebimento, para analisar a prestação de contas do instrumento, com fundamento nos pareceres técnicos e financeiros expedidos pelas áreas competentes”.

E mais: o parágrafo 1 estabelece que “o ato de aprovação da prestação de contas deverá ser registrado no SICONV, cabendo ao concedente prestar declaração expressa de que os recursos transferidos tiveram boa e regular aplicação”.

Como as prestações de contas nunca foram publicadas de maneira correta, é impossível saber se o dinheiro foi realmente gasto naquilo que exigiam os convênios. E o fato gerou irritação nos órgãos de fiscalização.

A reportagem ainda procurou especialistas para analisarem a situação das prestações de contas travadas no Ministério do Esporte. E eles veem o cenário como ideal para fraudes.

“Estamos falando de projetos de 2014, que eram para as Olimpíadas, e não foram analisados até agora. Cria-se um cenário muito mais propício a fraudes e ainda fica mais difícil para que a gente possa reverter os problemas. Se a análise das contas é imediata, você pode responsabilizar as pessoas. Mas se demora anos, décadas, as pessoas podem nem estar aqui mais para serem responsabilizadas”, diz o advogado João Henrique Chiminazzo, especialista em direito esportivo.

Segundo Márcio Cruz, outro advogado especializado em esportes, as entidades que não tiveram seus orçamentos aprovados não poderiam receber novos recursos do Governo: “Os infratores poderão incorrer nas seguintes penalidades ao violarem a Lei de Incentivo ao Esporte: vantagem indevida, dolo, fraude ou simulação, desvio de finalidade, descumprimento de prazo, descumprimento legal. Se a entidade não realizar a prestação de contas no prazo estipulado será cadastrada no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI), ficando impedida de receber novos repasses de verbas públicas federais”.

Auditoria de 2011 já mostrava problemas com prestações; Em verde, justificativa do Esporte© ESPN.com.br Auditoria de 2011 já mostrava problemas com prestações; Em verde, justificativa do Esporte
A CGU diz que só existiu penalidade a uma empresa, em 2009, por ter se portado de forma inidônea em pregão realizado no ano anterior. As demais firmas supostamente advertidas por pregões futuros não possuem documentação que comprovem as punições, segundo análise da Controladoria, que já cobra o Esporte das prestações de contas há anos, conforme mostra a auditoria abaixo, de 2011.

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