Maconha como esperança de vida para criança

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A Gazeta


Marcus Vaillant
Jéssica Curvo com o filho Ricardo, de 2 anos

A troca de olhares, maior interação entre mãe e filho e o desenvolvimento físico são vistos como vitória pela dona de casa Jéssica Curvo, 25, mãe de Ricardo Curvo de Almeida, de dois anos e quatro meses. O menino nasceu com uma síndrome neurodegenerativa raríssima, a Schinzel-Giedion, que provoca constantes convulsões. Na pior fase chegou a ter 30 crises sequenciais. O único tratamento que tem se mostrado eficaz é o uso do Canabidiol (CBD), fabricado com substâncias derivadas da maconha.

“Praticamente cessaram as crises convulsivas, que eram muito intensas, hoje ele tem poucos espasmos”, avalia Jéssica. “Ele tem crescido e vem ganhando peso. Mas a grande melhora que eu vejo é a interação social. Antes ele não fixava o olhar quando a gente falava com ele. Hoje ele tenta interagir, fica balbuciando alguma coisa”, compara.

Para se ter ideia da raridade da Síndrome de Schinzel-Giedion, ela foi descoberta em 1978 e no mundo todo foram catalogados cerca de 50 casos. No Brasil só houve registro de quatro casos. A expectativa de vida dos portadores não passa de três anos. Infelizmente duas crianças morreram, uma que vivia no Rio de Janeiro e outra na Bahia, aos dois anos. Além de Ricardo, há registro de um
bebê em Brasília com três anos de idade. 

Os sobreviventes conquistaram uma melhor qualidade de vida com o uso da medicação à base da maconha. Poucas informações sobre a doença e o tabu em volta da maconha tem causado
problemas para os pacientes que precisam do CDB. “Tem muita burocracia”, cita Jéssica. Cada frasco do medicamento, que dura 15 dias, custa R$ 300. O canabidiol não é produzido nem vendido no Brasil, sua importação só foi legalizada em janeiro de 2015, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o excluiu da lista de substâncias proibidas e o reclassificou como substância de uso controlado.

Jéssica entrou na Justiça para receber a medicação. Todo mês o Estado importa o CDB e entrega à família. “De seis em seis meses precisamos comprovar que o Ricardo está vivo e precisa do remédio”, comenta a mãe. “Da última vez houve uma confusão porque a servidora que recebia o remédio mudou de função e ficamos três meses sem a medicação”. Além da epilepsia refratária, podem ser tratadas com CBD doenças como esclerose múltipla, glaucoma e anorexia, e dores crônicas.

LEGALIZAÇÃO DA MACONHA – Diante do custo elevado e da burocracia da importação, muitos parentes de pacientes que precisam do CDB defendem a regulamentação da maconha no Brasil, pois a legalização da planta poderia estimular a produção nacional do medicamento e reduzir custos. 

A discussão sobre a liberação da erva ganhou força na semana passada, quando o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) divulgou nota defendendo publicamente a descriminalização do porte da maconha para uso pessoal.

Embora destaque que as evidências científicas apontam que o consumo de substâncias psicoativas que agem sob o estado de consciência podem causar danos à saúde dos usuários, a entidade considera fundamental que o tema seja tratado na esfera da saúde pública, com foco na prevenção.

O Cremesp também aponta como motivação para o apoio à descriminalização da erva o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) estar prestes a  julgar a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343 (Lei
de Drogas), que estabelece que quem adquirir, guardar, mantiver em depósito, transportar ou portar drogas ilícitas, mesmo que para consumo pessoal, será advertido, multado ou condenado a prestar serviços à comunidade ou a frequentar programa ou curso que alerte para os riscos do uso de drogas.

Presidente do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT), Maria de Fátima Carvalho Ferreira
afirma que a entidade estadual “segue posicionamento do Conselho Federal de Medicina, qual seja, de manutenção do texto do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que trata da política sobre drogas no Brasil”. “A
autarquia entende que a descriminalização do uso de drogas ilícitas para consumo pessoal terá como resultado o aumento de consumo e de usuários”, diz.

A presidente lembra que em novembro de 2015, o CFM divulgou nota conjunta sobre o assunto, com outras entidades médicas, destacando que o crescimento no número de usuários implicará também no aumento de casos de dependência química, com consequente repercussão nas famílias e na
sociedade. As entidades afirmaram que o aumento do consumo de drogas contribui para maior incidência de acidentes de trânsito, homicídios e suicídios.

Considera-se, ainda, que a descriminalização, ao aumentar o consumo, também amplia o poder do tráfico, contribuindo para maiores índices de violência. Para as entidades, não há experiência histórica ou evidência científica que mostre melhoria com a descriminalização de drogas ilícitas. “Pelo contrário, nos
países com maior rigor no enfrentamento às drogas há diminuição da proporção de dependência química e
da violência”, diz trecho da nota. 

Para o biólogo, professor, mestre em Ecologia e conservação da Biodiversidade e doutorando da UFMT, Luís Gabriel Nunes, que mantém a página no Facebook “Marcha da Maconha Cuiabá – Rumo 2017”, a nota do Cremespm, apesar de ser modesta e tardia, tem um peso simbólico. “A nota contradiz o argumento principal, talvez único da Lei de Drogas, de que o consumo de drogas fere um bem público, no caso a saúde pública”, afirma.

De acordo com ele o que o movimento mais quer é ser ouvido e respeitado enquanto parcela de sociedade que oferece argumentos comprovados de que a legalização é o melhor caminho. “A legislação vigente diz que a saúde pública é lesada com o consumo da maconha. A guerra às drogas mata muito mais do que o
consumo. Além disso, a maioria dos usuários deixa de relatar problemas de saúde devido à vergonha causada pela criminalização, e no caso de outras drogas pessoas em quadro de overdose nem são levadas a hospitais por medo de serem presas, então isso na verdade atrapalha muito mais a saúde pública”, argumenta.

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